Esses Ossos, Paulo Gaspar Ferreira



ESSES OSSOS. 39 Imagens e trinta e seis poemas animais. Fotografia Paulo Gaspar Ferreira. Selecção de poemas Isaque Ferreira. Paisagem sonora Brendan Hemsworth. Curadoria Catarina Ginja. Porto 2017 20x20cm. II-86-X págs. C.

A ideia inusitada de convidar o fotógrafo Paulo Gaspar Ferreira para fazer uma interpretação artística dos materiais que estudo – vestígios arqueológicos de animais domésticos e dos seus antepassados selvagens – faz sentido como forma de divulgação científica em interacção com a arte. A companhia da poesia tornou-se indissociável deste conjunto. O respeito que temos pelas escolhas poéticas do Isaque Ferreira justifica a sua participação. A ideia de incluir uma paisagem sonora surgiu quando pensámos mostrar este trabalho numa exposição. Convidámos o Brendan Hemsworth pela sua sensibilidade para a improvisação e a procura de novas sonoridades. Esta composição integra sons criados a partir de ossos e foi incluída neste livro através de um código de leitura óptica (QR code).

Os fios condutores deste trabalho artístico são as peças arqueológicas e as emoções que causam. Cultivámos a liberdade de escolhas sem preconceitos. Recusámos a ideia de catalogar as peças, ou de impor a presença de autores específicos. Pelo contrário, procurou-se criar uma dimensão estética para estes materiais. Resultado de uma certa abstracção, mas que no seu todo pudesse transmitir a carga histórica, emblemática e das memórias que lhes estão associadas. Uma história que é a da evolução das espécies de animais domésticos e que está intimamente ligada à das diversas comunidades humanas. A riqueza de ideias e as formas poéticas com elas relacionadas ilustram bem esta proximidade.

 Do texto introdutório de Catarina Ginja.

 

The idea of inviting photographer Paulo Gaspar Ferreira to make an artistic interpretation of the materials that I study – the archaeological remains of domestic animals and their wild ancestors – may seem unusual but it makes sense as a way of combining scientific outreach with art. The art here also includes poetry and music. The poems were selected by Isaque Ferreira with great skill. The original music, by Brendan Hemsworth, displays his talent for improvisation and finding new sonorities, including sounds made with bones and which we make available in this book by means of a QR code.
The archaeological specimens and the emotions they provoke are what drive this artistic endeavor, which attempts to create a new aesthetic dimension for the materials it incorporates. Thus, there is no catalogue of specimens. We hope the resulting abstraction can, as a whole, transmit the emblematic history and associated memories of the evolution of these domestic animal species, which are so intimately related to the development of human communities. Our culture depicts this proximity in the richness of poetic forms and ideas related to these domestic animals.

 

From the introduction by Catarina Ginja.

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Isto é os nossos dentes, os nossos ossos. O que fica além do que somos, além do que formos. Auto-retrato póstumo da matéria macia que nos fez.

Animal humano sou agora que fotografo “esses ossos”, besta comum que pretende ver com este olhar diminuto a grandeza do tempo, a natureza cansada do tempo.

Foi a surpresa que me fez continuar este querer. Ir de encontro a este fantasma, rir, sereno, a cada aparição. Estas fotografias são exorcismos de mim próprio, resultam da necessidade absoluta de olhar-me condómino deste lugar, a Terra. É aqui que aproveito para respirar, para respeitar o mesmo ar que sempre todos respiramos, nós e estes animais que agora fotografo alguns milhares de anos depois de terem sido Ser.

É aqui, neste jardim com vista para a planitude do tempo que quero ficar. Inscrevo neste negro o meu lugar, uma certa arqueologia contemporânea se assim se puder dizer.

Texto introdutório de Paulo Gaspar Ferreira

 

Expondo os sentidos à respiração das palavras é possível viajar, amplamente, na arqueologia. “Esses ossos” propõe — braço dado — ciência, fotografia, música e poesia. Esta última solicitada, pela temática sobre a qual se debruça esta obra, a evoluir por elementos de inexactidão — funcional, emotiva, et cetera — que se expandem, desde a matéria óssea interna até à adestrada inteireza animal, sempre nas imediações do humano.

Sem pretender resultar, é apresentado um rol de poemas, convocados de diversos autores, compostos em português e balizados entre meados do século vinte e a actualidade.

São aves de capoeira ou engaioladas, animais estimados ou de labores, objecto de caça, gado, rebanhos, alguns bichos metafóricos, um ou outro caso excepcional, todos orientados aos ossos — concretos ou irreais — de hoje, passados e futuros. 

Porque a casa que somos é de ossos habitada, aqui, a poesia: osso tal e qual animal doméstico.

Texto introdutório de Isaque Ferreira

 

Quisemos que na sonorização destes poemas a dimensão da palavra assumisse um primeiro plano em relação à paisagem sonora que a acompanha. Entre esses dois planos há, no entanto, uma inevitável interacção, assim como o há entre nós e as paisagens por onde passamos.

A paisagem recontextualiza-nos permanentemente, e nós, das mais variadas formas, vamos interferindo nela.

À leitura silenciosa que resulta dos textos impressos neste livro, este registo áudio vem acrescentar uma leitura mediada pelo recitador, e uma paisagem sonora que inevitavelmente recontextualiza o texto poético, interferindo ora mais, ora menos, na leitura final que o ouvinte fará dele.

Este exercício de sonorização é, por isso, também ele uma forma de leitura a partir da qual projectámos as paisagens internas que os poetas fazem ressoar em nós.

 

Texto introdutório de Brendan Hemsworth

 

Belíssima colectânea de poemas onde figuram os poetas A. Tecedeiro, Alexandre O’Neill, António Barbedo, António Osório, António Ramos Rosa, Beatriz Hierro Lopes, Daniel Jonas, Eugénio de Andrade, Fátima Maldonado, Fernando Echevarría, Herberto Helder, Inês Lourenço, João Habitualmente, Jorge Sousa Braga, José Anjos, Mário Cesariny, Nuno Júdice, Rui Lage, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vítor Nogueira, integralmente impressa a prata sobre papel Plyke negro de 140 gr. numa reduzida tiragem.

Na capa posterior um código QR permite aceder à paisagem sonora de Brendan Hemsworth que integra a leitura de alguns dos poemas ditos pela voz de Isaque Ferreira.

 

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